Ex-servidores querem voltar a trabalhar para o governo
Funcionários públicos que tinham contratos temporários e outros que aceitaram demissão por meio de PDVs tentam retornar à estabilidade. Todos os casos serão resolvidos na Justiça
A garantia de estabilidade do serviço público não exerce atração apenas sobre os milhares de trabalhadores que sonham ingressar por meio de concursos. Se quem está fora quer entrar, os que já estiveram no governo tentam até contornar a lei para voltar. Ex-funcionários que deixaram o governo federal por diferentes motivos buscam formas de retornar ao quadro do funcionalismo. Centenas de servidores, que passaram em concursos nos quais o caráter de temporariedade estava bastante claro nos editais, entram na Justiça para ficar. Até quem recebeu dinheiro para pedir demissão na década de 90 se mobiliza. Há projetos de lei no Congresso Nacional pedindo a reintegração de trabalhadores que aderiram a Programas de Desligamento Voluntário e Incentivado (PDV e PDI). Por outro lado, muitos dos demitidos do governo Collor ainda lutam para voltar 13 anos após a aprovação da lei que lhes concedeu o direito de anistia.
Em torno de 630 servidores admitidos por contrato temporário se uniram e entraram com 16 ações na Justiça Federal pedindo a efetivação no cargo. Eles representam menos de 3% dos 24,4 mil temporários em exercício atualmente, segundo números do Ministério do Planejamento. A maioria entrou no governo depois de 2003, após concurso que previa contratação por dois anos, podendo ser prorrogada por mais dois.
Apesar de terem feito a prova e assinado o contrato cientes do prazo, agora tentam achar meios para continuar tendo o governo como patrão. O argumento utilizado nas ações é de que o concurso foi temporário, mas a necessidade do Estado para os cargos que estão exercendo é permanente, segundo o advogado Ulisses Borges, que representa a Associação dos Servidores Temporários (Astemp). A Constituição prevê contratação temporária apenas diante de uma necessidade temporária, como uma epidemia ou para substituir professoras que estejam em licença-maternidade, por exemplo. Não é o que ocorre nesses casos. Houve um desvio de finalidade, afirma.
Os temporários recorreram à Justiça, mesmo admitindo a fragilidade do argumento para mantê-los nos cargos. Em um grupo de discussão na internet criado pelos temporários que querem ficar, a dúvida é levantada várias vezes. É natural que as pessoas que não sejam advogados fiquem esperançosas com a ação. Porém, o caso está longe de ser simples. Já pensei em muita coisa, conversei com vários colegas de profissão e sempre vi que os argumentos jurídicos mais fortes estão do lado da União, disse um dos participantes. É muito importante que façamos tudo de forma rápida e silenciosa, para que não surjam pareceres contrários e a opinião pública fique contra a nossa causa, podendo influenciar qualquer decisão a ser tomada, disse outra.
Porém, defende Borges, a tese é válida, porque os servidores atenderam aos requisitos de ingresso por meio de concurso público. Mas não deverá ser fácil, reconhece. Ainda não temos posicionamentos definitivos da Justiça, mas há consciência de que não é um processo fácil. Esperamos que a Justiça faça uma análise sociológica e não tecnicista. Ela tem que transpor a aparência e mergulhar na essência. Essa é uma decisão para ser tomada daqui a 10 anos, é muito polêmica, reconhece.
PDV
Também com o anseio de ter um contracheque público, ex-funcionários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal tentam ganhar apoio para a causa no Congresso Nacional. Eles querem voltar ao quadro dos bancos, mesmo tendo aderido a planos de demissão voluntária na década de 90. Os bancários argumentam terem sido coagidos a sair. Alguns falam de assédio moral e todos têm histórias para contar sobre suicídios, alcoolismo e separações conjugais entre os ex-colegas. Tudo tem como ponto de partida a demissão. No Congresso Nacional há dois projetos de lei sobre o assunto: um trata dos ex-funcionários da Caixa e outro dos que trabalhavam no Banco do Brasil ambos são de autoria conjunta do deputado Daniel Almeida (PCdoB/BA) e do senador Inácio Arruda (PCdoB/CE).
Eles foram estimulados a sair por uma circunstância política da época. Mas tiveram acesso por meio de concurso e agora a circunstância mudou. Esse afastamento não foi por livre e espontânea vontade, eles foram conduzidos a isso. E naquele período havia uma recessão no país, muita gente montou um negócio próprio e não deu certo, agora está desempregado, afirma Almeida. O ex-funcionário do Banco do Brasil, João Neto, morador do Guará, é um exemplo. Em 1995, com 19 anos de carreira, ele aderiu ao PDV.
Com o dinheiro recebido, em torno de R$ 100 mil, abriu um comércio, que não deu certo por problemas administrativos. Com 53 anos, não consegue arrumar emprego e atualmente ajuda a filha a organizar eventos. João sonha em voltar à instituição e reconhece que tomou uma decisão errada. Mas diz ter feito por precaução. Eu tinha um salário alto, sabia que se fossem demitir iam começar por mim. Ouvi conversas na época e, no desespero, aderi. Se me demitissem, seria só com o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço)", conta. Os 13,3 mil trabalhadores que aderiram ao PDV do BB tiveram direito a ressarcimento que ia de 1,3 a 1,5 salário por cada ano trabalhado.
Na década de 90, o governo federal promoveu PDVs em vários órgãos e não apenas nos bancos. De 1996 a 2000, 15.003 servidores aderiram. Destes, 2.443 eram de Brasília.
O número
Opção
15.003
servidores aderiram a PDVs de 1996 a 2000
Anistiados se unem
Enquanto trabalhadores recorrem ao Judiciário e ao Legislativo na tentativa de retornar ao serviço público, servidores demitidos no governo Collor aguardam decisões do Executivo para voltar. Ex-funcionários de diferentes órgãos esperam pela anistia. A estimativa dos trabalhadores é que 50 mil pessoas tenham sido afastadas pelo ex-presidente. Destas, 20 mil teriam direito à anistia, das quais metade já estão reintegradas. A lei 8.878/94 define como data de corte os demitidos entre 16/03/1990 e 30/09/1992. No dia 20 de março representantes de diferentes categorias farão uma reunião em Brasília e devem organizar manifestações para tentar agilizar a contratação dos anistiados. No dia 26 do mesmo mês o evento será no Rio de Janeiro, em frente à sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "Queremos tentar ser recebidos pelo presidente Lula. Estamos brigando há 16 anos e cerca de 10 mil pessoas ainda esperam para voltar", afirma Wilson Dufles, um dos principais organizadores do movimento que reúne os anistiados.
Em Brasília os ex-servidores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) voltam a se manifestar nesta terça-feira. Há pelo menos um ano e meio eles realizam acampamentos e protestos em frente à sede do órgão. Nesta semana reunirão anistiados de diferentes estados brasileiros. O objetivo é pressionar o governo para reempregar as 1.279 pessoas que sairam da empresa. Até agora 600 já voltaram. A adaptação não foi fácil, mas trouxe de volta a dignidade perdida, segundo a servidora Joalita Queiroz de Lima, de 58 anos. Em 2004 ela retornou à Conab,14 anos após ter sido demitida. Muita coisa mudou nesse período em que ela ficou em casa, sendo sustentada com a ajuda da família. Quando saiu, em 1990, não haviam computadores na empresa, por exemplo. "A empresa deu cursos para a gente pegar o pique e aprendi a trabalhar com informática. A gente engrenou bem", comemora. (MF)
Dois casos
A loja que ficou no papel
Com 18 anos de casa, o paraibano Carlos Alberto Santos Marques resolveu aderir ao PDV do Banco do Brasil em 1999. Considerando seu salário baixo na ocasião, ele saiu da instituição e, com os R$ 70 mil que recebeu do banco, iria realizar o sonho de abrir uma empresa na área de informática. O negócio nunca saiu do papel. "Eu queria montar um comércio, mas não tinha visão de nada aqui fora, toda a minha experiência era no banco. Foi um suicídio coletivo termos saído", conta. De lá para cá, trabalhou fazendo pesquisas, como vendedor de sapatos, vendedor autônomo e professor particular. Nem o diploma de economia lhe garante um emprego com carteira assinada na cidade de Patos, na Paraíba. A culpa, na sua opinião, é da idade. "Tenho 45 anos, o mercado rejeita quem passou dos 40 anos. Grande parte das pessoas não consegue ser reabsorvida."
Um apartamento em Uberaba
Por causa do salário baixo R$ 500 na época e com a expectativa de obter um emprego melhor na iniciativa privada, a mineira C.D., que prefere não se identificar, aderiu ao PDV do Banco do Brasil depois de nove anos na instituição. Hoje, aos 42 anos, ela recebe cerca de R$ 700, pouco mais do que ganhava em 1995 como funcionária de um banco privado, em Brasília. Dos R$ 30 mil recebidos com o desligamento, parte foi utilizada para comprar um apartamento de um quarto em Uberaba (MG), cidade em que vivia antes de sair do banco. "Na agência em que eu trabalhava começaram a transferir funcionários para outras agências piores, para outras cidades, havia a intenção de forçar a adesão. A gente sofria pressão e ganhava pouco. Saí sem ter nada planejado. E agora, depois dos 40 anos, fica difícil arrumar emprego, e é caro estudar para concurso", afirma.